Home / Entrevistas / Reserva de Mercado na Informática: por que o Brasil ficou para trás e a Coreia do Sul virou potência gráfica e tecnológica

Reserva de Mercado na Informática: por que o Brasil ficou para trás e a Coreia do Sul virou potência gráfica e tecnológica

Quando falamos de tecnologia gráfica hoje – impressoras, monitores OLED, smartphones com telas de 2000 nits, máquinas de impressão digital que rodam 300 metros por minuto –, dois países, um asiático e um latino-americano, aparecem como exemplos clássicos de caminhos opostos: a Coreia do Sul domina o topo da cadeia e o Brasil ainda tenta recuperar o tempo perdido. O divisor de águas foi a política de “reserva de mercado” aplicada por ambos nas décadas de 1970 e 1980, mas com filosofias e resultados radicalmente diferentes.

Brasil: proteger para isolar

Em 1976, o governo brasileiro criou a Secretaria Especial de Informática (SEI) e, em 1984, promulgou a Lei nº 7.232, a famosa “Lei de Reserva de Mercado da Informática”. A regra era simples e drástica: computadores, periféricos e softwares só poderiam ser fabricados ou comercializados no país por empresas de capital 100 % nacional. Importações eram taxadas em até 100 % ou simplesmente proibidas.

O objetivo declarado era criar uma indústria nacional autônoma e reduzir a dependência tecnológica dos Estados Unidos.

O resultado prático foi um parque industrial formado por empresas como Prológica, Itautec, Sid, Cobra e Microtec que produziam clones atrasados de PCs IBM e Apple. Enquanto o mundo migrava para processadores de 16 e 32 bits, o Brasil ainda fabricava máquinas de 8 bits em 1988. Monitores, impressoras matriciais e placas gráficas nacionais custavam duas a três vezes mais que os equivalentes importados e chegavam ao mercado com 3 a 5 anos de atraso. A ausência de competição externa e de metas de exportação transformou a proteção em acomodação. Eu estava lá. Posso testemunhar.

Quando a reserva foi extinta em 1992, o setor brasileiro de hardware praticamente desapareceu. O legado foi um atraso tecnológico que ainda sentimos: o Brasil não tem fabricação relevante de monitores, impressoras de grande formato ou semicondutores. E num episódio que considero o resumo desse período, o Brasil comemorou lançando…o fusca!!! Isso devia estar na nossa bandeira!

Coreia do Sul: proteger para competir

No mesmo período, a Coreia do Sul também adotou barreiras tarifárias altas e restrições a investimento estrangeiro direto em setores estratégicos, inclusive eletrônicos e informática. A diferença fundamental estava na lógica: a proteção era temporária e condicionada ao desempenho exportador.

O governo coreano escolheu quatro conglomerados privados (Samsung, Goldstar/LG, Hyundai e Daewoo) e deu a eles subsídios, crédito barato e proteção de mercado interno com uma cláusula de ferro: “se não exportarem X milhões de dólares em Y anos, perdem tudo”. Ao mesmo tempo, exigiu transferência de tecnologia forçada de empresas americanas e japonesas que quisessem vender no mercado coreano.

O resultado foi uma corrida interna feroz. A Samsung, por exemplo, começou fabricando TVs preto-e-branco sob licença da japonesa Sanyo em 1970; em 1983 já produzia seus próprios chips de memória DRAM; em 1993 tornou-se a maior fabricante mundial do produto. Hoje, Samsung Display e LG Display controlam juntos mais de 50 % do mercado global de painéis OLED – a mesma tecnologia que equipa as impressoras UV LED e os monitores profissionais usados por designers gráficos no mundo inteiro.

Números que contam a história

  • Em 1985, o Brasil exportava praticamente zero dólares em produtos de informática. A Coreia exportava US$ 3,5 bilhões.
  • Em 2024, a Samsung sozinha faturou mais de US$ 200 bilhões, enquanto o setor brasileiro de hardware de TI mal chega a US$ 2 bilhões.
  • A Coreia investe 4,9 % do PIB em P&D (1º lugar mundial). O Brasil investe 1,2 %.

Lição para quem trabalha com tecnologia gráfica

A indústria gráfica atual vive de inovação rápida: novas cabeças de impressão Epson PrecisionCore, tintas UV de cura instantânea, RIPs com inteligência artificial, telas de 8K para prova de cor. Nenhum desses avanços teria sido possível em um mercado fechado e sem pressão por escala e performance.

A experiência comparada Brasil x Coreia mostra que proteger pode ser necessário em fases iniciais, mas só funciona quando a proteção vem acompanhada de três ingredientes: metas agressivas de exportação, competição interna entre empresas nacionais e prazo definido para o fim dos subsídios.

Para quem revisa livros, escreve sobre impressão digital ou desenvolve projetos gráficos no Brasil de hoje, fica o alerta: o atraso tecnológico dos anos 80 ainda cobra juros sobre juros. Mas também fica a esperança – políticas públicas inteligentes, parcerias com players globais e foco em exportação de serviços gráficos de alto valor (como embalagens premium e impressão funcional) ainda podem colocar o país na rota da Coreia do século XXI.

O Brasil precisa parar de estabelecer políticas de proteção e subsidios sem metas, onde um pai de família é insentivado a deixar para seu filho apenas o próprio subsidio,e não um mundo melhor, um pais melhor, uma economia mais forte. Vamos honrar nossa bandeira. Precisamos botar ordem na casa, e tirar o progresso da bandeira e colocar nas ruas, nas fábricas, nos corações. Ordem e Progresso precisam deixar de ser apenas uma pixação na nossa bandeira.

Paulo Addair
Siga-me

Deixe um Comentário